No II Summit Abracopel – Segurança com Eletricidade, uma pergunta crucial foi levantada: “As instalações elétricas brasileiras são seguras?” Embora essa questão seja relevante, proponho uma reflexão ainda mais urgente: os eletricistas estão realmente seguros?
À primeira vista, pode parecer que ambas as perguntas se referem ao mesmo problema, mas a verdade é que se trata de temas distintos. A segurança das instalações elétricas, por mais essencial que seja, não abrange a complexidade das condições às quais os profissionais de eletricidade estão expostos.
Estamos falando de que?
Aqui, não estamos apenas falando de equipamentos de proteção ou procedimentos operacionais. O problema vai muito além, englobando fatores como a gestão do ambiente de trabalho e, mais importante ainda, as condições cognitivas e emocionais dos trabalhadores.
A segurança no trabalho não se resume ao uso de EPI ou à realização de treinamentos técnicos. Estamos lidando com profissionais que enfrentam exaustão física e mental, pressões psicológicas intensas e, muitas vezes, vivem em condições sociais precárias.
Exigências
Como podemos exigir que esses trabalhadores valorizem a segurança no trabalho se, fora dele, enfrentam uma realidade marcada pela insegurança e pela falta de oportunidades? Como falar sobre a importância da vida quando, para muitos, os valores sociais estão deteriorados?
A cultura de segurança é um conceito fundamental, mas será que ela está realmente acessível a todos os níveis da força de trabalho? É fácil implementar essa cultura entre funcionários com maior nível educacional e social, que têm capacidade de entender e aplicar normas de segurança.
Qual é a realidade atual no Brasil?
No entanto, a realidade é outra para trabalhadores operacionais, terceirizados e com baixa escolaridade. São esses profissionais, os mais vulneráveis, que estão na linha de frente dos acidentes fatais no Brasil. Pouco se discute sobre a preparação cognitiva e comportamental desses trabalhadores, que muitas vezes não recebem o suporte necessário para desempenhar suas funções de maneira segura e eficiente.
Pensemos, por exemplo, em um eletricista que sofreu um grave acidente e perdeu um membro. O que ouvimos após o incidente? “Mas ele teve treinamento!”
No entanto, será que esse treinamento foi compreendido? Será que esse profissional se sentiu seguro o suficiente para questionar algo que não entendeu? Sabia ele que tinha o direito de se recusar a realizar uma tarefa insegura?
Mais do que treinar, é preciso que a comunicação atinja essas pessoas de forma eficaz, utilizando uma linguagem que elas compreendam e com a qual possam se identificar.
A proteção da vida não pode ser limitada a conscientizar gestores e a aplicar normas rígidas. É fundamental que alcancemos aqueles que mais precisam de apoio, trabalhadores que, por diversos motivos, têm dificuldade em absorver esses conceitos.
Conclusão
Nossa sociedade está mudando, mas ainda convivemos com altos índices de analfabetismo funcional, uma realidade frequentemente ignorada nos treinamentos organizacionais. E enquanto essa realidade não for enfrentada, continuaremos a falhar na proteção daqueles que mais precisam.
Portanto, a verdadeira segurança só será alcançada quando reconhecermos e enfrentarmos essas desigualdades, garantindo que todos, independentemente de sua formação ou posição na hierarquia, tenham o entendimento e o suporte necessários para trabalhar de maneira segura.
Fátima Antunes é psicóloga, ergonomista, doutoranda em engenharia de produção, mestre em psicologia social, pós graduada neuroeducação. Especialista em gerenciamento do estresse pelo International Stress Management Association (ISMA-BR). Também é diretora da SST Games, professora universitária, autora dos jogos Papo Cabeça, Conversa Segura, Slogança e outros jogos para a área de Saúde e Segurança do Trabalho, autora do livro Estresse em Advogados e perita judicial em saúde mental do trabalhador.
Imagem gerada por IA.
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